Dom Odilo Scherer concedeu uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, e dentre as perguntas feitas a ele, uma questão a respeito da descriminalização do aborto, gerou momentos de alta tensão.

O reverendo Aldo Quintão, sacerdote da Catedral Anglicana de São Paulo, após um longo enunciado, questionou porque a Igreja Católica não aceita discutir a descriminalização do aborto, e recebeu como resposta o questionamento a respeito dos números usados como argumento para trazer o tema à mesa.

“O senhor disse da fuga dos católicos […] Eu gostaria de fazer uma colocação para o Senhor, em termos de Brasil, porque eu entendo que algumas pessoas não fugiram da Igreja, foram colocadas para fora da Igreja por não terem o direito de expressar o seu pensamento. Por exemplo: nós temos um milhão de abortos clandestinos nesse país, com 200 mil pessoas morrendo. Pessoas miseráveis, aquelas a quem nosso Senhor Jesus Cristo pediu que nós dessemos a prioridade. Eu entendo que ninguém, em sã consciência, é a favor do aborto. Então, nós temos pela primeira vez, uma mulher na presidência do país, uma mulher que entende problema de mulher, porque nós, enquanto Igreja, somos muito machistas, sempre pensamos do nosso jeito, na nossa maneira enquanto homens. O Congresso Nacional é machista, minoria de mulheres. A presidente escolhe Eleonora [Menicucci], da pasta de mulheres, para discutir essa questão, e a Igreja vem e não quer nem discutir. Já parte a priori dizendo não tem discussão, está errado, é pecado, e os evangélicos – dos quais o senhor disse agora utilizam de métodos dos quais o senhor não concorda… O padre Marcelo Rossi diz que se une aos evangélicos para, se possível, até derrubar a ministra [Eleonora Menicucci] e quem mais pensar dessa forma. Eu vejo o seguinte: essa é uma questão de descriminalizar, da Igreja ter amor, da Igreja poder compreender que nos hospitais chegam mulheres, crianças, como me disseram os médicos, com agulhas de tricô, dentro do útero. Quero saber porque a Igreja de Roma, a sua igreja… Vamos dialogar, e não vamos, a priori, fechar questão numa situação que o Senhor tem conhecimento, sabe. Quero saber qual a sua posição sobre a descriminalização do aborto”, perguntou Quintão.

“Eu quero responder, primeiramente, questionando totalmente esses números. Em que base se afirma que temos um milhão de abortos por ano? Datafolha? Mas, então, em que base? Especialistas da ONU receberam informação do Brasil. Com que base? Se são um milhão de abortos, significa que não são clandestinos, são dados conhecidos. Esses números são fantasiosos. 200 mil mulheres morrendo por ano em consequência de abortos clandestinos, mal feitos? Já pensou, reverendo, o que significa isso? Se cada ano morrem 200 mil mulheres em consequência de abortos mal feitos, então as mulheres estão morrendo ao nosso redor sem nos darmos conta. São números jogados para conseguir um efeito. Ponho em dúvida, absolutamente, a credibilidade desses números. Mas, agora lhe digo outra coisa: ainda que fosse uma mulher, que morresse em consequência de aborto mal feito, ela teria minha solidariedade, e eu cobraria de autoridades o respeito pela lei para que não morresse a mulher, nem o filho dela. Porque o aborto no Brasil não está legalizado, e se acontece um milhão de abortos no Brasil, clandestinamente, ou nem tão clandestinamente, alguém está falhando com seu dever de impedir 1,2 milhão de mortes por ano. É muita gente. O aborto não é morte de gente? Um milhão e duzentas mil mortes por ano por incúria, por não atender, não cuidar da saúde da mulher, de não acompanhar adequadamente o processo da gestação para que ela possa dar à luz em segurança. Comecemos com números realistas, porque esses números querem impactar de uma forma opressiva qualquer opinião em contrário. Não pode. Temos que partir de uma discussão que tenha base na verdade. Não importa quem afirme, este número precisa ser afirmado com base em dados de realidade”, afirmou dom Odilo Scherer.